A Exposição Porto à deriva, é o resultado do projeto Porto à deriva, exercício de reinvenção da cidade subjetiva desenvolvido na região do Porto numa parceria entre SESC ARSENAL e a UFMT a partir da disciplina Intervenções urbanas: propostas de reinvenção das cidades subjetivas, oferecida no ECCO -Mestrado em Estudos de Cultura Contemporânea. O coletivo do projeto reúne vários alunos do ECCO e artistas da cidade de Cuiabá de diversas áreas: artes plásticas, artes cênicas, artes do corpo, artes do vídeo, literatura, música, fotografia, numa ação inter e multidisciplinar. A exposição é quase um relato da experiência, uma misturas de buscas, pistas, passagens, trajetos, achados, feitos. O projeto toma como referência o pensamento de três pensadores Guy Debord, Nicolas Bourriaud e Felix Guattari.
O projeto
Quando o situacionista Guy Debord nos anos 1960 disse que “As futuras revoluções deverão inventar, elas mesmas, suas próprias linguagens", com certeza imaginou as ressonâncias que suas idéias sobre arte, cidade e vida iriam encontrar nos movimentos artístico-político-sociais contemporâneos quase meio século depois. Coletivos em rede, coletivos de arte, processos colaborativos, ações táticas, flashmobs, teatro do invisível, grafitti, mídia radical, intervenção urbana são algumas micropolíticas que pululam, na contemporaneidade, em vários pontos do planeta, disparam ações em rede nos ciberespaços que refletem no espaços urbanos. O pensamento situacionista reverberou em grande parte das intervenções urbanas ocorridas nestas últimas décadas. Chamado de Internacional Situacionista, IS, o coletivo foi criado em 1957 na Itália, e aglutinou vários movimentos artísticos, como: dadaísmo, fluxus, grupo COBRA e o Movimento Internacional por uma Bauhaus Imaginista, MIBI . O grupo situacionista buscava outros modos de estar na cidade, a deriva e a situação eram suas principais formas de abordá-la. Andar pela cidade sem rumo é uma deriva e a situação a maneira de provocar nela, reordenamentos subjetivos. Paola Berenstein Jacques acredita que as idéias dos situacionistas inspiram novas experiências sobre a cidade.
Pode-se considerar a reunião das idéias, procedimentos e práticas urbanas situacionistas como um pensamento singular e inovador que poderia ainda hoje inspirar novas experiências, interessantes e originais de apreensão do espaço urbano. (JACQUES,2003)
Os situacionistas acreditavam que as formas como percebemos as cidades é mais importante do que como ela é efetivamente construída. É a cidade imaginada que nos impulsiona a agir sobre ela. A proposta dos situacionistas para as cidades foi a de construir situações, que promovessem reflexões sobre o espaço urbano, sobre a vida cotidiana e sobre a arte. A base deste pensamento está na “teoria dos momentos” do sociólogo francês Henri Lefebvre um quase situacionista no início do movimento. Para ele “a teoria dos momentos não se articula fora da cotidianidade, mas se articula com ela, ao juntar-se com a crítica, para nela introduzir o que lhe falta”
As situações construídas no cotidiano das cidades são jogos, imprevisíveis podem produzir novas subjetividades e outras formas de relação com a arte aproximando-a da vida cotidiana. A cidade, lugar onde se vive, é o espaço ideal para desenvolvimento de um projeto de intervenção artística, pois como afirma Guattari:
A cidade produz o destino da humanidade: suas promoções assim como suas segregações, a formação de suas elites, o futuro da inovação social, da criação em todos os domínios. Constata-se muito freqüentemente um desconhecimento deste aspecto global das problemáticas urbanas como meio de produção da subjetividade. (GUATTARI-1998)
No Brasil são inúmeros os movimentos coletivos de intervenção urbana cuja proposta é promover novas visibilidades, novos fazeres e novas posturas em torno das cidades e dos cidadãos que nelas habitam. Para repensar as cidades, projetos como Arte/Cidade, iniciado em São Paulo em 1994, reuniu artistas e arquitetos, internacionais e nacionais, para práticas artísticas e urbanísticas não convencionais com a finalidade de debater os processos de reestruturação urbana e os dispositivos institucionais da produção cultural trazendo uma grande contribuição para a arte contemporânea brasileira. A Universidade Federal da Bahia organizou em 2008 um Seminário Arte cidade: cultura, memória e contemporaneidade, com a intenção de reunir o atual pensamento sobre as cidades e suas relações com as distintas manifestações, entendendo que essas relações são geradas pela emergência de uma nova ordem social.
Porto à deriva, exercício de reinvenção da cidade subjetiva.
A proposta de Porto à Deriva é o exercício da construção de um olhar sobre a região do Porto a partir de experiências inspiradas no Movimento Situacionista tendo como referência os conceitos de deriva e situação e os estudos sobre cidade subjetiva de Felix Guattari bem como a idéia de estética relacional de Nicolas Bourriaud. Ressalta em sua metodologia os processos colaborativos e o conceito de polifonia de Bakhtin, por compreender a cidade como uma multiplicidade de diferentes vozes.
O projeto foi organizado em três fases:
1- Derivas Cartográficas -Através de uma afetocartografia, que é um mapeamento da região, não funcional, mas afetivo foram feitas derivas pelo Porto para a construção de um mapa de afetos. Os situacionistas usavam o termo psicogeografia. Em Porto à deriva o bolinho de arroz e o bolicho podem ser pontos de referência, pontos nó de uma rede imaginária. Nestas derivas encontramos pessoas, lugares, observamos ruas, passantes, comentamos sobre o que víamos, registramos o que nos interessou, conversamos sem pauta e sem relógio.
2- Intervenções: A proposta das intervenções é a transgressão da lógica dos espaços. Ao tirar o espaço da sua ação habitual é possível desencadear um processo de ressignificação do lugar. Para as ações de intervenção foram escolhidos: O mercado do Porto para uma intervenção que denominamos Livre Mercado:Num domingo de manhã tomamos o espaço do mercado: músicos, dançarinos, artistas plásticos, atores, fotógrafos e durante alguns minutos promovemos uma ocupação artística. A proposta foi desencadear um estado de ludicidade efêmera, como uma imagem que se esvai, mas deixa rastros.
Outro espaço ocupado foi o antigo mercado do Peixe hoje Museu do Rio. Esta intervenção teve o nome de Sombra e água fresca, o binômio sombra/água como condição essencial para se viver na cidade de Cuiabá. Escolhemos este lugar pela sua aridez, um espaço sem sombras. Lá, plantamos flores de papel crepom num lugar onde deveria ter um jardim, pintamos arvores onde deveria ter árvores, distribuímos garrafinhas de águas do rio, tendo no seu rótulo os componentes poluitivos.
A terceira intervenção ocorreu na abertura da exposição Porto à deriva no SESC Arsenal. Um cortejo performático do Museu do Rio até o SESC, com a participação do Grupo Batuque Nauá.
Exposição Porto à deriva: Todo o processo registrado está sendo socializado em forma desta exposição. Imagens, textos, sonoridades. O mapa do Porto reordenado e ressignificado por estas ações é o vetor da mostra.
Maria Thereza Azevedo é Doutora em Artes Cênicas pela USP, professora do programa de Pós Graduação em Estudos de Cultura Contemporânea ECCO da UFMT. Orientadora do Projeto Porto à Deriva e curadora da exposição Porto à deriva.
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