DIA 17 DE NOVEMBRO NO SESC ARSENAL
PORTO
Á DERIVA,
experiências
de INTERVENÇÃO
URBANA na região do Porto em Cuiabá
Sob o familiar, descubram o
insólito. Sob o cotidiano, desvelem o
inexplicável.
Que tudo o que é
considerado habitual, provoque inquietação...
Bertolt
Brecht
Maria Thereza Azevedo
Quando o situacionista Guy
Debord nos anos 1960 disse que “As futuras revoluções deverão inventar, elas
mesmas, suas próprias linguagens", com certeza imaginou a ressonância de
suas idéias sobre arte, cidade e vida pelo mundo, quase meio século depois. Coletivos em rede, coletivos de
arte, processos colaborativos, ações táticas, flashmobs, teatro do invisível, grafitti, mídia radical, intervenção
urbana são algumas micropolíticas que pululam, na
contemporaneidade, em vários pontos do planeta, disparam ações em rede nos ciberespaços
que refletem no espaços urbanos. O pensamento
situacionista reverberou em grande parte das intervenções urbanas ocorridas
nestas últimas décadas. O movimento situacionista chamado de Internacional
Situacionista, IS, foi
criado em 1957 na Itália, e aglutinou vários movimentos artísticos, como:
dadaísmo, fluxus, grupo COBRA e o “Movimento Internacional por uma Bauhaus
Imaginista” MIBI “. Buscavam outros modos de estar na cidade, a deriva e a situação eram suas principais formas de abordá-la. Andar pela cidade
sem rumo é uma deriva e a situação a maneira de provocar nela,
reordenamentos subjetivos. Paola
Berenstein Jacques acredita que as idéias dos situacionistas inspiram novas
experiências sobre a cidade.
Pode-se considerar a reunião das idéias,
procedimentos e práticas urbanas situacionistas como um pensamento singular e
inovador que poderia ainda hoje inspirar novas experiências, interessantes e
originais de apreensão do espaço urbano. (JACQUES,2003)
Os situacionistas acreditavam que as
formas como percebemos as cidades é mais importante do que como ela é
efetivamente construída. É a cidade imaginada que nos impulsiona a agir sobre
ela.
A proposta dos situacionistas para as
cidades foi a de construir situações, que promovessem reflexões sobre o espaço
urbano, sobre a vida cotidiana e sobre a arte.
A base deste pensamento está na “teoria dos momentos” do sociólogo
francês Henri Lefebvre um quase situacionista no início do movimento. Para ele “a teoria dos momentos não se articula fora da
cotidianidade, mas se articula com ela, ao juntar-se com a crítica para nela
introduzir o que lhe falta”
As situações
construídas no cotidiano das cidades são jogos, imprevisíveis podem produzir novas
subjetividades e outras formas de relação com a arte aproximando-a da vida
cotidiana. A cidade,
lugar onde se vive, é o espaço ideal para desenvolvimento de um projeto de
intervenção artística, pois como afirma Guattari:
A cidade
produz o destino da humanidade:
suas
promoções assim como suas segregações,
a formação
de suas elites, o futuro da inovação social,
da criação
em todos os domínios. Constata-se muito freqüentemente um desconhecimento deste
aspecto global das problemáticas urbanas como meio de produção da subjetividade(GUATTARI-)
No Brasil são inúmeros os movimentos coletivos de intervenção urbana cuja proposta é
promover novas visibilidades, novos fazeres e novas posturas em torno das
cidades e dos cidadãos que nelas habitam. Para repensar as cidades, projetos
como Arte/Cidade, iniciado em São Paulo em
1994, reuniu artistas e arquitetos, internacionais e
brasileiros, para práticas artísticas e urbanísticas não convencionais com a
finalidade de debater os processos de reestruturação urbana e os dispositivos
institucionais da produção cultural trazendo uma grande contribuição para a
arte contemporânea brasileira. No ano passado, a Universidade Federal da Bahia
organizou o segundo Seminário Arte cidade
com a intenção de reunir o atual pensamento sobre as cidades e suas relações
com as distintas manifestações, entendendo que essas relações são geradas pela
emergência de uma nova ordem social. Outro movimento que se expande é o das
cidades educadoras- AICE Associação Internacional de Cidades educadoras- surgiu
em Barcelona, Espanha em 1990 e se espalhou pela Europa e pela América Latina,
com o objetivo de transformar os espaços da cidade em espaços da cidadania e
inserção social. Teve adesão do poder público, de pesquisadores e educadores de
várias cidades brasileiras. Cuiabá foi uma das primeiras cidades a se afiliar
ao AICE realizando um Congresso sobre Cidades Educadoras em 2001.
Porto
à deriva, exercício de reinvenção da cidade subjetiva.
O projeto de intervenção urbana Porto à deriva surgiu no Sesc Arsenal aglutinando pessoas envolvidas com as artes
plásticas, teatro, música, dança, audiovisual,
saúde, ONGs, bem como, ativistas independentes e pessoas preocupadas com o
espaço onde vivem. A proposta é o exercício da construção de um olhar sobre a
região do Porto a partir de experiências
inspiradas no Movimento Situacionista
tendo como referência os conceitos de deriva
e situação e os estudos sobre cidade
subjetiva de Felix Guattari. Ressalta
os processos colaborativos e a idéia de polifonia de Bakhtin, porque compreende
a cidade como uma multiplicidade de diferentes vozes.
O projeto está organizado em três
fases:
Derivas
Cartográficas – A
reinvenção do olhar sobre o lugar. A idéia é uma afetocartografia que é um
mapeamento não funcional, mas afetivo através de derivas pela região do Porto para
a construção de um mapa de afetos. Os situacionistas usavam o termo psicogeografia. Em Porto à deriva o bolinho
de arroz e o bolicho podem ser
pontos de referência, pontos nó de uma rede imaginária. Nestas derivas
encontramos pessoas, lugares, observamos
ruas, passantes, comentamos sobre o que vemos, registramos o que nos interessa,
conversamos sem pauta e sem relógio.
Intervenções:
A proposta das
intervenções é a transgressão da lógica dos espaços. Ao tirar o espaço da sua
ação habitual é possível desencadear um processo de ressignificação do lugar.
Para as ações de intervenção foram escolhidos: O mercado do Porto para uma
intervenção que denominamos Mercado Livre. Num domingo de manhã na área dos peixes, músicos,
dançarinos, artistas plásticos, atores, fotógrafos tomam o espaço do mercado e
durante alguns minutos promovem uma ocupação artística. Mercado livre é onde se
pode vender até sonhos. A proposta é promover um estado de ludicidade efêmera,
como uma imagem que se esvai, mas deixa rastros.
Outro é o espaço próximo ao antigo
mercado do Peixe e ao Museu da água onde
era a feira. Esta intervenção tem o nome de Sombra e água fresca, o binômio sombra/água como condição essencial para se viver
na cidade de Cuiabá. A terceira
intervenção será na abertura da exposição no Sesc Arsenal. Um cortejo performático
onde são derramadas palavras e elementos das subjetividades locais colhidos nas
derivas.
Exposição-
Todo o processo registrado será socializado em forma
de uma exposição no SESC ARSENAL. Imagens, textos, sonoridades. O mapa do Porto
reordenado e ressignificado por estas ações será o vetor da mostra.
Referências
Bibliográficas:
AZEVEDO, Maria Thereza O. Imagens da Cidade São
Paulo: 1998texto mimeog.
BACHELARD, Gaston - A poética do espaço - Coleção Tópicos- Tradução Antônio de
Pádua Danesi - São Paulo: Martins Fontes,1993
BAKHTIN, Mikhail - Marxismo e Filosofia da Linguagem - São Paulo: Hucitec -
1992
..................................Estética da criação verbal - São
Paulo: Martins Fontes, 1992
..................................Problemas da poética em Dostoiévski tradução
de Paulo Bezerra 2 ed. - Rio de Janeiro: Forense Universitária,1997.
BENJAMIN, Walter Passagens .Belo Horizonte:Editora da UFMG, 2007
CALABRESE, Omar A
era neo-barroca LISBOA: Martins
Fontes, 1987
CALVINO, Italo Cidades
Invisíveis São Paulo: Cia das
Letras, 1991
.......................Seis propostas para o próximo milênio São Paulo, Cia das
Letras, 1990
CAMPOS, Haroldo - A arte no Horizonte do Provável - Coleção Debates - São Paulo:
Editora Perspectiva, 1977
CANEVACCI, Máximo A cidade polifônica ensaio sobre a antropologia da
comunicação urbana. São Paulo: Studio Nobel, 1997.
CANCLINI, Nestor Garcia Culturas Híbridas São Paulo:
Editora da Universidade de São Paulo,1997
DELEUZE,Gilles GUATARI, Felix – Mil Platôs Rio de
Janeiro: Editora 34,1996
GUATARI, Felix Caosmose São Paulo: Editora 34,1998
JACQUES, Paola Berenstein Apologia da Deriva, escritos situacionistas sobre a cidade.
Rio de Janeiro: Casa da Palavra, 2003
SANTOS, Milton. A
natureza do espaço. 5. Ed. São Paulo: HUCITEC, 1997
ORTIZ, Renato Mundialização
e Cultura. São Paulo: Brasiliense, 2007.
RICHARD, Nely Intervenções
críticas Belo Horizonte: Editora UFMG, 2002
Maria Thereza
Azevedo é Doutora em Artes Cênicas pela USP, professora do programa de Pós
Graduação em Estudos de Cultura Contemporânea ECCO da UFMT. Curadora do Projeto
Porto à Deriva.
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